Oropouche: estabelecimento do vírus é provável já que vetor está presente em todo o Brasil, aponta pesquisador

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O aumento das notificações da febre Oropouche têm chamado a atenção das autoridades de saúde e da população para o possível surgimento de uma nova epidemia. O Oropouche é um arbovírus (vírus transmitido por vetores), até então desconhecido pela maioria das pessoas, e os sintomas são semelhantes aos de outras arboviroses, como dengue, zika e chikungunya. Por isso, a importância do protocolo de diagnóstico por PCR em tempo real na detecção do vírus Oropouche, para diferenciação dessas outras doenças. A Bahia teve, em março, seis casos confirmados de febre Oropouche, em abril aumentou para 80 e até o dia 03 de junho já foram confirmados mais de 610 casos, segundo dados da Secretaria Estadual de Saúde da Bahia.

A Fiocruz Bahia conversou com o virologista Felipe Naveca, chefe do Laboratório de Arbovírus e Vírus Hemorrágicos no Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e coordenador do Núcleo de Vigilância de Vírus Emergentes, Reemergentes ou Negligenciados da Fiocruz Amazônia, onde foi desenvolvido o protocolo para diagnóstico da doença atualmente utilizado pelo Ministério da Saúde no Brasil e recomendado pela Organização Pan-Americana da Saúde – OPAS para outros países da América Latina.

Em entrevista, o especialista disse que o vírus Oropouche circula na região Amazônica há mais de 50 anos e que o aumento da vigilância explica, ao menos em parte, o elevado número de casos confirmados. Naveca falou também sobre a origem da doença, os sintomas, como é possível se proteger e quais os desafios para o enfrentamento da doença.

Fiocruz Bahia – Qual a origem da febre Oropouche e como ela chegou ao Brasil?
Felipe Naveca – O vírus Oropouche, que causa febre Oropouche, foi descoberto na cidade de Vega de Oropouche, em Trinidad e Tobago, e por isso recebeu esse nome. Assim como vários arbovírus, é um vírus que recebeu o nome da região onde foi isolado inicialmente. A presença do vírus Oropouche foi detectada na região Amazônica na década de 60. A entrada dele no território não é exatamente conhecida, mas se sabe que desde essa década ele circula em áreas da região Amazônica, especialmente em ciclos que envolvem animais reservatórios e vetores silvestres.

Fiocruz Bahia – De que forma e por que o espalhamento desta doença se dá no país nesse momento?
Felipe Naveca – Nós temos duas possíveis respostas. Uma é o espalhamento do vírus de fato, provavelmente por conta da mudança de comportamento do vetor, pelo aumento do desmatamento e por conta das alterações climáticas, principalmente o aumento de temperatura e regimes de chuva, que favorecem a proliferação do mosquito. No entanto, essa pode não ser a única resposta, uma vez que houve o aumentou da vigilância. Pelo menos desde 2016, nós, da Fiocruz Amazônia, temos trabalhado em defender a necessidade de que a testagem para o Oropouche seja implantada de forma sistemática pela Vigilância. O atual governo federal comprou essa ideia e conseguimos fazer a descentralização através do Ministério da Saúde para todos os laboratórios centrais dos estados. Com os testes, se detectou os casos que estavam ocorrendo. Ainda não é possível afirmar quando que ocorreu a entrada em cada estado, mas o aumento dos casos se deve também ao aumento da vigilância.

Fiocruz Bahia – A Oropouche também está avançando em outros países?
Felipe Naveca – Sim, atualmente nós temos registro da febre Oropouche na Colômbia, no Peru e na Bolívia. Recentemente Cuba também relatou casos.

Fiocruz Bahia – Com esse crescimento rápido no estado da Bahia, a perspectiva é que essa doença se estabeleça como outras arboviroses?
Felipe Naveca – A possibilidade de se estabelecer a transmissão do Oropouche na Bahia ou em qualquer outro estado é bastante clara, uma vez que a gente tem presença do vetor em todo o Brasil. Isso é uma possibilidade sim, uma vez que se estabelece um ciclo: quanto mais casos aparecem, maior a chance de se estabelecer uma rotina de transmissão contínua por vários anos. Com o aumento da vigilância estamos conseguindo ver aquilo que de repente estava circulando há algum tempo.

Fiocruz Bahia – O ciclo de transmissão é semelhante ao da dengue?
Felipe Naveca – O ciclo de transmissão só é parecido com o da dengue por contar com um vetor, mas o vetor não é o Aedes aegypti, é o Culicoides paraensis, nome científico do mosquito popularmente conhecido como maruim, meruim ou mosquito-pólvora, dependendo da região. A literatura aponta que há possibilidade de mosquitos do gênero Culex (conhecido como muriçoca ou pernilongo) estarem atuando como vetores secundários. Então é parecida com a dengue no sentido de ter um vetor, mas é diferente uma vez que não é o mesmo vetor.

Fiocruz Bahia – O Aedes aegypti tem competência para transmitir o Oropouche?
Felipe Naveca – Os estudos até o momento mostram que o Aedes aegypti não tem a capacidade de transmitir, mas isso é o que conhecemos até o momento, e a partir de análises de linhagens antigas do vírus, da década de 60. É preciso também estar atento que o vírus vai continuar evoluindo e que a gente precisa também fazer essa investigação mais a fundo agora com a linhagem mais recente. Mas o dado que temos hoje é que o Aedes aegypti não é um transmissor do vírus Oropouche.

Fiocruz Bahia – Por ser outro vetor, quais os desafios para prevenção da proliferação do mosquito e quais as medidas para se proteger da doença?  
Felipe Naveca – Uma vez que o vetor é diferente da dengue, algumas estratégias também serão diferentes. Os cuidados pessoais como utilização de repelente e roupas compridas em áreas onde há presença do vetor também são a melhor forma de impedir a picada e consequentemente a possibilidade de transmissão do vírus. Mas, por não ser um vetor tipicamente urbano, por não estar presente dentro das residências, como os Aedes, alguns cuidados também são diferentes. Esse vetor se cria bastante em áreas com matéria orgânica em decomposição, como restos de folhas ou outro material orgânico, e com umidade, esse é o ambiente preferido para proliferação do vetor.

Fiocruz Bahia – Quais são os sintomas e o que diferencia a Oropouche das outras arboviroses? Pode ser letal?
Felipe Naveca – Não dá para diferenciar a febre Oropouche, por exemplo, da dengue. São sintomas muito parecidos, como febre, mal-estar e dor generalizada. É virtualmente impossível descrever se é Oropouche ou dengue baseado somente na sintomatologia. Não podemos esquecer que uma parte dos pacientes, em torno de 50%, relata um quadro onde tem a presença dos sintomas e depois os sintomas cessam podendo voltar depois de alguns dias, isso chamaria a atenção para Oropouche, mas baseados nos sintomas de fase aguda é praticamente impossível de ter certeza. Até o momento não foram confirmados os óbitos, apesar de alguns casos descritos na literatura evoluírem com formas neurológicas, como encefalite, meningite. Nós temos casos que estão sendo investigados com relação ao óbito, mas não se tem a confirmação até o momento.

Fiocruz Bahia – É um vírus que sofre mutações rapidamente?
Felipe Naveca – Os vírus de RNA sofrem mais mutações do que os vírus de DNA, por conta de uma característica intrínseca da replicação do RNA, que é a falta de correção. No entanto, por ser um arbovírus, ele evolui menos rapidamente do que, por exemplo, o vírus Influenza, ou HIV.

Fiocruz Bahia – Qual o estado das pesquisas em Oropouche? Há estudos relacionados à vacina e tratamento, por exemplo?
Felipe Naveca – Desconheço estudos relacionados à vacina, mas com o aumento dos casos confirmados, a gente começa a mostrar melhor essa necessidade de tratamento. Assim como para outros vírus, temos hoje um tratamento sem a utilização de drogas específicas que possam atuar no combate à febre Oropouche, o que temos é o tratamento para alívio dos sintomas do paciente.

Fiocruz Bahia – Quais novos desafios a doença pode trazer para a Saúde Pública?
Felipe Naveca – É mais uma doença causada por um arbovírus a circular e o primeiro passo do ponto de vista da Saúde Pública foi dado com esse aumento da Vigilância, não só no Brasil, como em outros países da América Latina. O Ministério da Saúde distribuiu o método que nós desenvolvemos na Fiocruz Amazônia para todos os laboratórios centrais do país. A OPAS levou para diversos países e isso já resultou na detecção em outros países. Primeiro é preciso conhecer o tamanho do problema, sendo esse o primeiro passo para depois pensar em medidas mais efetivas do próprio controle da doença, mas no momento a gente ainda está bastante no início se comparado, por exemplo, ao que se sabe de dengue, chikungunya e zika.

Reportagem: Júlia Lins

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