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Um parafuso cai no chão
Nessa noite escura de hora extra
Mergulhando na vertical, tilintando levemente
Não vou chamar a atenção de ninguém
Como da última vez
Numa noite como essa
Quando alguém mergulhou para o chão.
A poesia de Xu Lizhi, do setor de produção da empresa chinesa Foxconn, que se suicidou em 2014 atirando-se do prédio onde trabalhava, chamou a atenção de publicações como Washington Post, Bloomberg Businessweek e Business Insider, e revelou ao mundo o sofrimento dos jovens e trabalhadores chineses. Mas, não são só eles, o problema mundial do suicídio afeta pessoas de diferentes etnias, idades, gêneros. Humanos.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), no mundo ocorrem, anualmente, 804 mil mortes causadas por suicídio, representando 11,4 mortes por cada 100 mil habitantes. Os principais métodos utilizados são o envenenamento, o enforcamento e o uso de armas de fogo, gerando uma morte a cada 40 segundos.
A baixa renda, a falta de política de prevenção, o não controle de armas de fogo são alguns indicadores que fazem com que 75% dos casos sejam em países em que a renda de maior parte da população é considerada baixa ou média. No ranking mundial, a Índia lidera com 258 mil óbitos por ano, seguida da China (120,7 mil), EUA (43 mil) e Rússia (31 mil).
Nos dados extraídos do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, é possível ver porque o Brasil é o oitavo na lista da OMS. De 2012 a 2014, temos 31.507 casos de suicídio no país. Na tabela abaixo, é possível ver, por faixa etária, os números que mostram que se não há um aumento expressivo, também não há um recuo forte nas taxas.
De qualquer forma, é importante ressaltar que o suicído é uma das causas externas de violência que, atrás dos acidentes de trânsito e homicídios, vêm tirando a vida de muitas pessoas, principalmente os jovens.
Dor e Preconceito
Trecho do documentário “Suicídio no Brasil”, produzido pela VideoSaúde Distribuidora da Fiocruz
Para muitos, o suicidio é considerado “maldito”, “perigoso”, “contagioso”, “doloroso” – a incompreensão, a intolerância, o medo e o preconceito em falar sobre o assunto dificultam uma abordagem serena sobre o tema e muitas vezes até o atendimento a quem está sofrendo. Para a coordenadora da Comissão CVV-Comunidade, do Centro de Valorização da Vida – CVV, no Rio de Janeiro, Maria das Graças Araujo, quem liga em busca de ajuda quer ser ouvido – “qualquer pessoa que necessite falar, será ouvida. Não importa o sexo, a idade ou o nível sócio-econômico”, afirma. Há 54 anos, CVV trabalha com prevenção ao suicídio. Os mais de um milhão de pedidos de ajuda que chegam por ano ao Centro são acolhidos por telefone (141), chat, skype, e-mail e até carta no plantão de 24 horas diárias. Dois mil voluntários se revezam em 72 postos espalhados por 18 estados e o Distrito Federal.
O sigilo com que trabalham os voluntários explica a ausência de estatísticas do CVV, que recebe o maior número de ligações durante a madrugada. “Não há câmeras no skype ou bina nos telefones”, garante Maria das Graças, “o sigilo é uma questão de confiança. Não perguntamos nada”, afirma.
O trabalho desenvolvido pela instituição é reconhecido, tanto é que o CVV participou ativamente da elaboração da Política Nacional de Prevenção do Suicídio do Ministério da Saúde. A Política inclui os Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), que são cerca 2.128 unidades espalhadas pelo território nacional, para realizar assistência especializada e tem capacidade de 43 milhões de atendimentos anuais.
Tentativas muitas
Pelo Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Sinan/MS, no período de 2009 a 2014 foram notificados um total de 73.790 casos de lesões autoprovocadas compreendidas como tentativa de suicídio no País, sendo que 2.519 (6,3%) notificados em 2009 e 21.633 (10%) em 2014, o que equivale a uma variação relativa de 59,2%. Os dados publicados pelo Mapa da Violência 2014 fazem um comparativo entre as notificações de violência, como homicídios e acidentes de trânsito, e os casos de suicídio, considerado também como uma violência. Confira na tabela abaixo:
Conforme dados de diversas fontes, para cada suicídio efetivado, entre 40 e 60 tentativas ocorrem em todo o mundo. “De acordo com o último Mapa da Violência no Brasil, de 2014, diariamente, no Brasil, 32 pessoas se matam por dia, uma a cada 45 minutos, e isso é muito grave”, alerta Maria das Graças Araujo. “Segundo a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), 17% dos brasileiros pensaram seriamente em cometer suicídio no decorrer de suas vidas”, destaca a coordenadora do CVV.
Para compreender melhor o que isto representa, veja a relação entre o número de tentativas e a efetivação do suicídio no infográfico abaixo. É importante observar que, em 2011, houve uma mudança na Declaração de Óbito, com maior detalhamento das informações coletadas (veja o documento sobre a Consolidação da Base de Dados de 2011, do SIM/MS, feita pela Coordenação Geral de Informações e Análise Epidemiológica – CGIAE.
Quem tenta suicídio pede ajuda, ao contrário do que diz o mito. O Brasil alcançou o triste posto de país da América Latina com maior número de suicidas. É preciso falar sobre isso”, enfatiza a coordenadora do CVV. O psiquiatra e professor de Medicina da Universidade de Campinas (Unicamp), Neury Botega, concorda e também defende a necessidade de se desmistificar o tema para evitar novos casos:
Setembro Amarelo
Uma das formas de lutar pela prevenção é o movimento mundial “Setembro amarelo”, campanha da OMS que estimula a prevenção ao suicídio vinculada ao dia 10 do mês, no qual se comemora o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio. O objetivo da campanha é colocar na mesa o debate sobre um assunto ainda hoje considerado tabu para os brasileiros.
No Brasil, o CVV apoia a campanha da OMS, que visa dar apoio às iniciativas de ajuda a pessoas que já tentaram alguma vez tirar a própria vida e, “por isso, fazem parte de um grupo maior de risco”. Segundo a OMS, a meta é, até 2020, reduzir em 10% a taxa de suicídio.
Diante desse quadro preocupante, a Fiocruz entra na campanha iluminando, desde 1º de setembro, o Castelo Mourisco com a cor amarela. Para o psiquiatra e psicanalista Carlos Estellita-Lins, pesquisador do Icict e coordenador do Grupo de Pesquisa de Prevenção ao Suicídio – PesqSUI/Licts/Icict, “a Fundação, seguindo outras iniciativas de prevenção e recomendações da OMS, entende que é preciso colocar a prevenção do suicídio na agenda de saúde mental e saúde pública brasileiras, observando cuidados imprenscindíveis com jornalismo responsável, arquitetura segura, transporte cidadão”, afirma.
Com esta matéria, o Icict inicia a sua colaboração para debater o tema com a série “Não há lirismo no suicídio”, que mostrará que o suicídio acontece em diferentes faixas etárias, que ser indígena no Brasil também pode significar sofrimento que leva à morte e a questão da prevenção.
Acesse também o especial “Suicídio”, da Agência Fiocruz de Notícias, aqui.
Créditos da série “Não há lirismo no suicídio”:
Infográficos e produção fotográfica: Vera Lúcia Fernandes de Pinho (Ascom/Icict/Fiocruz)
Edição de vídeo e fotografias: Graça Portela (Ascom/Icict/Fiocruz)
Apoio: Raíza Tourinho (Ascom/Icict/Fiocruz) e João Paulo Cofir (Secretaria/Biblioteca de Manguinhos/Fiocruz)
Colaboração: Rosany Bochner (Sinitox/Fiocruz)
Foto & arte Castelo Mourisco: Peter Ilicciev (CCS/Fiocruz)
Fonte: Graça Portela/ICICT