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Um surto de chikungunya ocorreu em Salvador entre junho e novembro de 2015. Logo após, entre novembro de 2016 e fevereiro de 2017, pesquisadores realizaram um estudo com o objetivo de determinar a soroprevalência de anticorpos contra o vírus chikungunya, identificar fatores associados à infecção e estimar a taxa de infecção sintomática, em 1.776 habitantes do bairro de Pau da Lima, em Salvador.
A chikungunya é causada por um vírus transmitido pela picada do mosquito Aedes aegypti. Os indivíduos acometidos podem apresentar diversos sintomas, dentre eles febre e dor, principalmente nas articulações, chamada de artralgia.
A pesquisa fez parte da dissertação de mestrado da enfermeira Rosângela Anjos, sob orientação do pesquisador da instituição, Guilherme Ribeiro, pelo Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia em Saúde e Medicina Investigativa (PgBSMI) da Fiocruz Bahia. Atualmente doutoranda pelo mesmo programa de pós-graduação, Rosângela é a primeira autora do artigo resultante do estudo, publicado na revista científica de prestígio Emerging Infectious Diseases.
No trabalho, os autores destacam que a prevalência de anticorpos contra o vírus da chikungunya entre os participantes do estudo foi de 11,8%, indicando que o surto da doença ocorrido em Salvador pode não ter propiciado à população imunidade de rebanho suficiente para impedir epidemias subsequentes. Imunidade de rebanho é quando uma grande parte da população se torna imune, após adquirir a doença ou após estratégias de vacinação em massa, protegendo o restante das pessoas que não possuem anticorpos, porque a transmissão se torna mais difícil com a redução de pessoas suscetíveis.
A prevalência de infecção pela chikungunya foi maior entre os participantes que residiam em ruas não pavimentadas e em casas com paredes não rebocadas ou feitas de madeira ou outros materiais que não blocos. Esses resultados sugerem que os comportamentos e condições de vida associados à vulnerabilidade socioeconômica podem contribuir para uma maior exposição à picadas por mosquitos Aedes, aumentando o risco de infecção.
Outros dois achados chamaram atenção dos autores do estudo. Apenas 15,3% das pessoas com anticorpos contra chikungunya relataram um episódio de febre e artralgia entre 2015 (ano do surto da doença em Salvador) e a realização do estudo. Além disso, nenhum dos indivíduos que relataram tais sintomas mantiveram a artralgia por mais de 60 dias.
De acordo com os cientistas, esta observação precisa ser melhor investigada em estudos longitudinais, pois ela contraria o consenso da comunidade científica de que mais de 70% das pessoas infectadas por chikungunya apresentam sintomas. De qualquer forma, os achados levantam a hipótese de que, em determinadas circunstâncias, infecções assintomáticas e manifestações clínicas mais leves, com menores taxas de cronificação da artralgia, podem ocorrer.
O estudo também concluiu que apesar dos vírus da chikungunya e da zika terem se espalhado pela cidade de Salvador no mesmo ano de 2015, a transmissão da chikungunya foi aparentemente muito menor, tendo infectado aproximadamente 12% da população, enquanto estima-se que o vírus da zika infectou entre 63% e 73% da população. Os autores apontam a competição viral entre hospedeiros e vetores como um possível elemento explicativo para esse fenômeno.