Um estudo realizado no Brasil, Israel, Palestina, Etiópia e Cazaquistão mostra que os mosquitos transmissores do protozoário da Leishmania preferem o consumo de Cannabis sativa a demais vegetais. O curioso achado científico foi publicado nos anais da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos (PNAS) em artigo liderado pelo pesquisador do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia), Artur Queiroz.
No Brasil, os insetos foram coletados do município de Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador, Bahia, local onde diversos estudos sobre a leishmaniose são realizados pela Fiocruz. A coleta foi realizada ainda em outras cinco localidades do Oriente Médio e África.
A partir da observação notou-se, por meio de sequenciamento genético do material que estava no sistema digestório dos mosquitos, uma predileção e alto consumo de Cannabis. “O mais interessante é que o consumo dessa erva aparece em vários mosquitos de diferentes localidades, mesmo não sendo uma planta nativa e percebida pela população”, comentou o pesquisador do Cidacs, Artur Queiroz, que esteve à frente dos estudos no Brasil.
“Ainda não sabemos o porquê desses mosquitos preferirem a Cannabis. Mas no futuro poderemos compreender melhor essas questões e as aplicabilidades desse achado. Foi, inicialmente, uma evidência interessante e curiosa, mas que poderá ser utilizada para fins epidemiológicos e de controle da doença”, explica Queiroz, que é biomédico e doutor em modelagem computacional. Uma outra possibilidade a ser trabalhada, a partir dessa conclusão, é o uso dos insetos como marcador de Cannabis no controle de plantações ilegais. “Mas é uma ideia ainda bem inicial”, frisa o pesquisador.
Os mosquitos com maior concentração da erva no organismo foram encontrados na região de Tubas, território sobre autoridade da Palestina. Além de Tubas e Camaçari, as regiões observadas no estudo são o Deserto da Judeia, na região da Cisjordânia, a cidade de Bura no Cazaquistão, a região de Sde Eliyahu em Israel e de Sheraro, na Etiópia.Em todas as seis localidades, os mosquitos foram coletados em regiões de mata com farta opção de vegetais.
Bioinformática e Leishmaniose
Os estudos associando consumo de maconha e mosquitos transmissores de Leishmaniose se concentram numa área de pesquisa que integra a biomedicina, biologia e informática, chamada de bioinformática. Neste achado, os pesquisadores encontraram o gene da planta no organismo do mosquito por meio de um sequenciamento usando a metodologia NGS (Next Generation Sequence).
Tal tecnologia permitiu identificar as fontes alimentares dos mosquitos transmissores de Leihsmania infectados e não infectados. Tanto mosquitos infectados quanto não infectados foram analisados, bem como foi observado fêmeas (consumidoras de sangue e de seiva) e machos (consumidores exclusivos de seiva) e visto, numa análise total, que 50% dos machos tinham consumido a erva e consumo foi de 75% entre as fêmeas.
Tais estudos são importantes na compreensão do comportamento alimentar desse mosquito tendo em vista que Leishmaniose é um problema de saúde pública que atinge principalmente as regiões sem saneamento básico. A Leishmaniose é uma doença causada pelo protozoário Leishmania que se hospeda em diversos mosquitos e quando este inseto pica o ser humano leva o agente causador da doença para corrente sanguínea.
Existem, basicamente, dois tipos de Leishmaniose, a tegumentar – cutânea, com manifestações na pele, como feridas – e a visceral – que atinge órgãos internos destruindo as suas estruturas e que pode levar ao óbito. Entre 2010 e 2014 foram registrados cerca de 17 mil novos casos de Leishmania Visceral e mais de 1.100 óbitos, já os casos de tegumentar são estimados em 22 mil por ano, segundo o Ministério da Saúde.