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Um estudo de sequenciamento do genoma do vírus Zika, realizado pelo pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Luiz Alcantara, em parceria com pesquisadores de outras instituições de pesquisa nacionais e internacionais, resultou, recentemente, em duas publicações na Nature, uma das revistas científicas mais citadas no mundo. O Zika in Brazil Real Time Analysis (ZiBRA) é um projeto itinerante que, em junho de 2016, visitou 5 estados da região Nordeste em um laboratório móvel e analisou amostras de cerca de 1250 pacientes com perfil clínico da infecção pelo vírus. A proposta fundamental do projeto foi dar suporte às autoridades em saúde pública, nas medidas de prevenção em áreas com risco de introdução ou incidência de arbovirus, como Zika.
Da equipe coordenada pelo pesquisador Luiz Alcantara, da Fiocruz Bahia, participaram as estudantes da Fiocruz Bahia Jaqueline Goes, doutoranda pelo programa de Pós-graduação em Patologia da UFBA/Fiocruz (PgPAT), e Marta Giovanetti, pós-doutoranda pelo programa de Pós-graduação em Biotecnologia em Medicina Investigativa (PgBSMI).
Jaqueline conta que foi inserida no grupo a convite do coordenador do estudo e seu orientador. “Alcântara tem essa característica de sempre envolver os estudantes dele em projetos, principalmente internacionais. Ele fez uma reunião com o nosso grupo que estava trabalhando com arbovirose e perguntou se a gente tinha interesse em participar. Eu achei superinteressante a ideia e aceitei”, conta a biomédica, mestre pelo PgBSMI.
Depois da experiência no ZIBRA, Jaqueline já considera seguir a carreira de pesquisadora. “Com a participação no projeto, comecei a ter uma noção maior de como a ciência funciona. O ganho para saúde pública proporcionado pela pesquisa me estimula muito e hoje, eu diria que iniciei com a ideia da docência, mas já começo a pensar na carreira de pesquisadora, até porque como pesquisador você acaba ensinando”, revela.
Marta explica que, para o desenvolvimento do projeto, assim como toda a equipe, elas foram inicialmente treinadas em todas as atividades realizadas: “fizemos seleção das amostras, organização dos dados; coleta dos mosquitos e caracterização das espécies; extração do RNA das amostras e dos mosquitos; diagnóstico molecular; preparo da biblioteca e corrida do sequenciamento; input e output dos dados e análises das sequências”, detalha a bióloga e doutora em biologia molecular, pela Universidade de Roma Tor Vergata, na Itália.
O ZIBRA foi inspirado na experiência da análise genômica do Ebola na África durante o surto de 2014-2015. Atualmente, os pesquisadores estão trabalhando na execução do ZIBRA-2, em que, além do Zika, estão sendo monitorados também os vírus da dengue, chikungunya e febre amarela. Para esta segunda etapa, a equipe esteve no Amazonas, onde foi montado um laboratório fixo para analisar amostras dos LACEN de cinco estados da região Norte, com vistas a seguir para a região Sudeste e, posteriormente fazer análises em outros países da América do Sul e Central.
“Participar de projetos de uma grandeza e com um impacto científico como o ZIBRA permite para nós, jovens pesquisadores, estarmos inseridos nas mais novas tecnologias, colaborar com pesquisadores nacionais e internacionais de excelência no mundo e principalmente alimentar aquela que, na minha opinião, deveria ser a principal característica de um pesquisador, a curiosidade”, declara Marta.
Os cursos
A proposta do PgPAT, que possui conceito 6 pela Capes, é formar pesquisadores, entendendo que a condução de pesquisa de qualidade é essencial para o bom desempenho do ensino acadêmico. A área de concentração é composta por dois grandes eixos: Patologia Humana e Patologia Experimental. Já o PgBSMI destina-se à formação de profissionais com elevada qualificação para o exercício de atividades acadêmicas, científicas e tecnológicas nas seguintes áreas de concentração: Biotecnologia Aplicada à Saúde, Epidemiologia Molecular e Medicina Investigativa, Biologia Celular e Biologia Computacional Aplicada a Saúde.
Jaqueline salienta a importância do curso de Patologia em sua formação. “A macro disciplina, lecionada logo no primeiro semestre, me proporcionou uma base para que eu conseguisse compreender a fisiopatologia do vírus Zika e me deu a base para eu entender quase tudo relacionado a parte clínica dos arbovírus”, comenta. Durante o curso, surgiu a oportunidade de participar do programa Ciência sem Fronteiras, a doutoranda submeteu um projeto para seleção, através do PgPAT, e foi contemplada com uma bolsa para doutorado sanduíche na Inglaterra.
“Irei passar seis meses desenvolvendo meu projeto junto com um outro pesquisador parceiro no ZIBRA e no ZIBRA-2. A ideia é desenvolver outros protocolos de sequenciamento, inclusive para outros vírus emergentes e que existe a possibilidade não muito remota de apresentarem surtos aqui, no Brasil. As vezes o protocolo funciona muito bem na Inglaterra, mas a gente tem que adaptar à nossa realidade que é diferente da inglesa”, conta Jaqueline.
Sempre inserida em projetos de pesquisas ligados ao estudo da diversidade genética e história evolutiva de diferentes vírus, Marta desenvolve projetos na Itália. “Através do reconhecimento que o Curso de Pós-graduação em Biotecnologia da Fiocruz possui no Brasil e no mundo, e além da oportunidade e do desafio que me foi dado, decidi escolher o Curso para poder contribuir com a minha pesquisa e principalmente adquirir novos conhecimentos havendo a oportunidade de colaborar com pesquisadores de excelência no Brasil”, explica a bióloga.
Publicações na Nature
O sequenciamento do genoma tornou-se uma poderosa ferramenta para o estudo de doenças infecciosas emergentes. Contudo, o sequenciamento realizado diretamente a partir de amostras clínicas (isto é, sem isolamento e cultura) como sangue, urina e saliva, permanece desafiante no caso de vírus como Zika, para o qual os métodos de sequenciamento podem gerar números insuficientes de leituras virais.
Com base nesse desafio, foi publicado em 24 de maio, no periódico Nature Protocols, o artigo intitulado “Multiplex PCR method for MinION and Illumina sequencing of Zika and other virus genomes directly from clinical samples“, de autoria dos participantes do ZiBRA, que é um protocolo para a geração de genomas de codificação-sequência-completa utilizado pelos pesquisadores no projeto. A Nature Protocols apresenta os protocolos em um estilo de “receita”, fornecendo descrições passo a passo dos procedimentos que os pesquisadores podem levar ao laboratório e aplicar imediatamente em sua própria pesquisa.
No mesmo dia, a Nature publicou online o artigo Establishment and cryptic transmission of Zika virus in Brazil and the Americas, sendo o tema capa da revista, no qual os pesquisadores afirmaram que, embora a recente epidemia do vírus Zika nas Américas e sua relação com defeitos congênitos tenham atraído grande atenção, ainda permanecem desconhecidas a epidemiologia da doença e a evolução do vírus, em parte devido à falta de dados genômicos. Os cientistas geraram 110 genomas do Zika, de amostras clínicas e do mosquito, de 10 países e territórios, expandindo a diversidade genética viral observada no grande surto.
De acordo com os autores, evidências indicam que o Zika circulou sem ser detectado em várias regiões, durante muitos meses, antes da confirmação dos primeiros casos transmitidos localmente, destacando a importância da vigilância das infecções virais. As análises de genomas com dados ecológicos e epidemiológicos permitiram aos pesquisadores estimar que o vírus esteve presente no Nordeste do Brasil em fevereiro de 2014 e é provável que tenha se disseminado a partir de lá, nacional e internacionalmente, antes da primeira detecção de Zika nas Américas.
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