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Artigo sobre escolha e rejeição da especialidade médica, sob a orientação do pesquisador Manoel Barral Netto, da Fiocruz Bahia, foi publicado na edição de julho do periódico online PLoS ONE. Intitulado “Medical Specialty Choice and Related Factors of Brazilian Medical Students and Recent Doctors”, o trabalho aborda fatores relacionados à essa opção o que pode orientar a elaboração de estratégias que estimulem o interesse por determinadas especialidades de acordo com as necessidades do sistema de saúde do Brasil.
Além do orientador, os autores do artigo são Ligia Correia Lima de Souza, Gabriela Garcia, Ediele Brandão e Vitor Mendonça, oriundos, respectivamente, da Faculdade de Medicina e Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Fundação Técnico Educacional Souza Marques, do Rio de Janeiro, e Pós-graduação em Patologia da Fiocruz Bahia.
De acordo com Barral Netto, a linha de pensamento que guiou o estudo procurou entender o raciocínio dos futuros médicos. “Uma pergunta frequente ao estudante de medicina desde o primeiro dia do curso é: Qual especialidade seguir? O que realmente os motiva para uma escolha ou outra?”, indagou. Segundo ele, escolher uma especialidade médica é um momento importante, complexo, sendo o processo não compreendido em sua totalidade.
O pesquisador ressaltou que a investigação pode auxiliar no desenvolvimento de estratégias de intervenção, ou seja, programas informativos e atividades extracurriculares, de acordo com as necessidades do sistema de saúde brasileiro, em que o déficit de profissionais e a distribuição desta força de trabalho são assuntos recorrentes quando se trata de assistência médica.
MÉTODO – O estudo foi realizado nas cidades de Salvador e Rio de Janeiro, no ano de 2012, tendo sido investigados os fatores relacionados à intenção de escolha e de rejeição de especialidades médicas, bem como o momento em que essas decisões foram feitas. Para tanto, foram entrevistados 1.223 estudantes de medicina, que estavam cursando os dois últimos anos da faculdade, e médicos que iriam fazer concurso de residência no ano de 2013, pertencentes a quarenta escolas médicas brasileiras.
Foram aplicados questionários padronizados que investigavam os dados demográficos do participante, as experiências extracurriculares, os possíveis fatores que poderiam influenciar a escolha da especialidade, as especialidades provavelmente mais escolhidas, o momento da primeira escolha e as mais rejeitadas, dentre outros.
Os resultados demonstraram que a intenção da escolha de especialidades médicas ocorre, principalmente, no período final na faculdade de medicina, e, a rejeição, acontece nos primeiros anos de vida universitária. “O aluno, conforme o tempo vai passando na Escola de Medicina, vai definindo coisas que ele não quer fazer. A escolha do que ele vai fazer é mais tardia. Então, isso é muito importante. Ele usa a estratégia da eliminação”, disse Manoel Barral Netto.
O pesquisador explica que, se o Ministério da Saúde achar que precisa aumentar a atenção básica, é salutar um esforço de elaboração de atividades relacionadas a esta área nos primeiros semestres das grades curriculares dos cursos de medicina como, por exemplo, aumentando a exposição do aluno à especialidade, ofertando professores com melhor didática e remuneração mais adequada a estes profissionais. “Os quesitos importantes para uma tomada de decisão são construídos nos primeiros anos do estudante na universidade. Se ele notar que ele vai ter o controle do tempo para uma vida normal, não vai ficar escravo do trabalho”, frisou.
FATORES DE INFLUÊNCIA – Além disso, o pesquisador da Fiocruz Bahia explica que diferentes grupos de especialidades têm distintos fatores de influência. “Por incrível que pareça, a questão da remuneração é um dado que não apareceu muito e nossas conclusões se baseiam numa interpretação que possui um viés cultural”, apontou. “Deduzimos que, por causa dos nossos costumes judaico-cristãos, poucos irão admitir em um questionário de pesquisa que está fazendo uma determinada especialidade por causa das altas remunerações que ela proporciona”.
Além do fator “razão financeira”, o “papel de mentor” foi um resultado muito forte na pesquisa. Ou seja, a exposição de figuras importantes na vida universitária do aluno, como bons professores e exemplos de médicos bem sucedidos podem inspirá-los a seguir uma determinada especialidade. Outras questões que chamaram a atenção foram os índices “controle do tempo pessoal e “autonomia”. Manoel Barral Netto explica que existem algumas especialidades que, mesmo pagando bem, não são muito atrativas, como as ligadas à emergência, ginecologia e obstetrícia e pediatria, dentre outras, onde o médico é exigido com mais frequência, acarretando em inúmeras restrições em sua vida pessoal e familiar.
Ainda de acordo com o estudo, um fator de robusta correlação com a intenção de especialidade foram as experiências extracurriculares dos estudantes de medicina, sendo assim estratégias como aumento de pesquisas, ligas acadêmicas e estágios com ênfase na especialidade de necessidade para o sistema de saúde uma potencial estratégia para a atração de profissionais.
Por exemplo, os participantes que escolhem especialidades com o estilo de vida controlável, avaliam como fatores mais importantes tempo pessoal, razão financeira e autonomia. Já os profissionais que escolhem especialidades de atenção primária avaliam como importante para a escolha compromisso social, experiências durante o internato e atribuem pouco valor a motivo financeiro e tempo pessoal. “Estes fatores são compatíveis com uma maior orientação idealista e a uma menor preocupação por status”, afirmam os autores do artigo.
Para eles, o que falta mesmo no Brasil, principalmente, nas cidades do interior, são os médicos voltados para uma atenção mais primária, ou seja, uma atenção básica para não sobrecarregar o restante do sistema porque os problemas pequenos não foram resolvidos em tempo. De acordo com eles, sabendo isso, é possível para as autoridades intervir de alguma maneira. “Esperamos que nossa pesquisa permita que haja algum tipo de estímulo para as áreas que precisam ser mais expandidas no Brasil”, concluem.